Entrevista: Esporte Adaptado

 

Após a Copa do Mundo, o Brasil terá novamente grandes eventos dentro de seus limites. Em 2016, Olimpíadas e Paralímpiadas Rio 16 colocarão novamente nosso país sob o olhar mundial.

Mas estaremos nós preparados para recepcionar, sobre tudo, os paratletas? Existem projetos que apoiam a prática de esporte pelos mesmos?

O Conexão Cotuca entrou em contato com Luis Fernando Cavalli, Policial Militar do Estado de São Paulo, aluno de mestrado da Unicamp e atleta paralímpico na modalidade Rugby em cadeira de rodas, e Marina Salerno, Doutora em Educação Física pela Unicamp e professora na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, para responder essas e outras perguntas.

Disputa dos 100 metros rasos dos Jogos Paralímpicos de Londres. Foto: Reprodução (http://www.webrun.com.br/)

– Luis Fernado Cavalli

 

Conexão Cotuca: Qual é a importância de dinâmicas, como essa dinâmica elaborada pelo professor Luiz, simulando um jogo adaptado, dentro do ambiente escolar?

Luis Fernado: Entendo que as dinâmicas baseadas em fundamentos de modalidades paradesportivas são muito positivas especialmente quando utilizadas em aulas de Educação Física escolar.

Primeiro porque é importante que o aluno seja submetido à maior quantidade de estímulos possíveis que possam enriquecer o seu repertório motor.  Essa é uma das razões porque diversas modalidades costumam ser apresentadas aos alunos durante as aulas de EF: futebol, vôlei, basquete, atletismo, handebol… e nessa mesma linha de pensamento, por que não oferecer também a esses alunos modalidades paradesportivas? – o vôlei sentado, o basquete em cadeira de rodas, o goalball e por aí vai…

Outro importante motivo é o benefício que isso traz à formação do aluno como ser humano, que passa a compreender melhor as deficiências e a enxergar as diferenças com mais naturalidade, entendendo que as pessoas que possuem deficiências são, como quaisquer outras, detentoras de características próprias, mas também de muitas potencialidades que podem e devem ser estimuladas.

 

Por fim há ainda o benefício gerado pelo fomento do paradesporto. Benefício esse que tem mão dupla. Na mesma medida em que a modalidade passa a ser conhecida e valorizada, os alunos que vem a conhecê-la passam a ter também mais uma saudável fonte de prazeroso entretenimento.

CC: Em relação aos jogos paralímpicos, qual a atenção dada pelo Brasil para apoiar os deficientes físicos nos jogos? O país está preparado para recebê-los?

LF: Muito ainda tem que ser feito para que possamos dizer que o Brasil oferece boas condições de acessibilidade às pessoas com deficiência. Tanto no campo da acessibilidade física, quanto principalmente na atitudinal, ainda há um bom caminho para ser trilhado.

 

É certo que muito já tem sido feito e muitas melhorias já foram conquistadas, mas sabemos que os Jogos Paralímpicos e Olímpicos trazem um desafio muito grande para o Brasil nesse sentido. Um número muito grande de pessoas com deficiência (PCDs) que estarão aqui como atletas ou visitantes experimentarão das condições que hoje nós brasileiros que temos deficiência vivenciamos no nosso dia a dia.  É claro que o Brasil não é o último país do mundo no campo da acessibilidade e da inclusão, mas estou certo de que também não é o primeiro.

 

Espero que a exposição internacional das falhas nas condições oferecidas às PCDs não seja muito danosa ao Brasil, mas também espero que não maquiemos essa realidade.  Considero que os Jogos sejam um importante momento para avaliarmos a necessidade de mudanças nas condições oferecidas às PCDs.

 

Vila Olimpíca e Paralimpíca Rio 2016 (casa dos atletas e paratletas) será na Barra da Tijuca. Foto: Reprodução (Rio 2016)

 

CC: Quais são os projetos desenvolvidos para apoiar a prática desses esportes adaptados?  

LF: Hoje existem algumas iniciativas governamentais de apoio ao paradesporto, como a Lei de Incentivo ao Esporte e a Bolsa Atleta do Governo Federal e também as Bolsas e Leis de Incentivo Estaduais e Municipais. O Rugby em Cadeira de Rodas da ADEACAMP, por exemplo, se beneficia da Lei de Incentivo ao Esporte Federal e do Projeto FIEC – Fundo de Incentivo ao Esporte de Campinas e seus atletas tem recebido a Bolsa Atleta Federal ou a Estadual. Além disso, projetos como o desenvolvido pela própria Extensão da Faculdade de EF da UNICAMP, acabam auxiliando muito no desenvolvimento de nossas atividades, no entanto ainda temos muitas demandas descobertas e seria necessário mais recursos e incentivos para o desenvolvimento das modalidades paradesportivas no Brasil.

FIEC é um dos projetos de incentivo ao esporte na cidade de Campinas. Foto: Reprodução (chchandebol.blogspot.com)

 

CC: Qual é a sua deficiência? De que forma isso influenciou em sua vida dentro do mundo esportivo e fora dele?

LF: Eu sofri um acidente de trânsito (capotamento) no dia 21 de março de 2004 que resultou numa lesão medular cervical (tetraplegia). Devido a essa deficiência física trazer diversos comprometimentos motores, sensitivos e vegetativos, todos os campos da minha vida foram afetados.

Na parte esportiva eu que já gostava de praticar modalidades convencionais como basquete, corrida, natação, tive oportunidade de conhecer e passei a praticar modalidades paradesportivas como natação, atletismo, handebol em cadeira de rodas, esportes de aventura e principalmente o Rugby em cadeira de rodas, modalidade na qual sou atleta desde 2008, jogando pela a ADEACAMP (Associação de Esportes Adaptados de Campinas), que tem o Projeto de Extensão em Atividade Motora Adaptada da Faculdade de educação Física da UNICAMP como grande parceiro e, desde 2010, sou também atleta da Seleção Brasileira dessa modalidade.

 

CC: Quem foi a pessoa que mais te ajudou nessa jornada? Quem foi que te apresentou e incentivou a praticar o esporte adaptado?

LF: Minha família, sem dúvida, é quem mais me auxilia nesses meus objetivos. Minha esposa, meus filhos, meus pais e irmãos desde sempre me deram o incentivo e as condições necessárias para que eu pudesse trilhar o caminho do paradesporto.

Antes da lesão medular eu já era Professor de Educação Física e, por isso, já conhecia um pouco do esporte adaptado, mas a minha primeira participação em uma atividade paradesportiva foi alguns meses após a minha lesão, quando no programa de reabilitação da AACD iniciei as aulas de natação. De lá pra cá pude gradativamente ir conhecendo muitas outras atividades adaptadas.

 

CC: Professor Seabra comentou que você pratica rugby adaptado. Quais são as principais adaptações feitas nesse esporte?

LF: O Rugby em Cadeira de Rodas é uma modalidade criada na década de 70, no Canadá, por pessoas com tetraplegia que praticavam o Basquete em Cadeira de Rodas, mas que sentiam a necessidade de participar de maneira mais competitiva, já que o Basquete em Cadeira de Rodas também é praticado por pessoas com maior funcionalidade, como paraplégicos e amputados.

Assim, o Rugby em Cadeira de Rodas é uma modalidade praticada por tetraplégicos ou pessoas que tenham algum nível de comprometimento nos quatro membros. Cada jogador é previamente avaliado por uma banca de classificação funcional e recebe uma pontuação que varia de 0.5 a 3.5 (aumentando de meio em meio ponto), sendo a classe 0.5 a de jogadores mais comprometidos e a de 3.5 a de jogadores menos comprometidos. A fim de garantir o equilíbrio na competição, a soma dos pontos dos quatro jogadores de cada equipe que estão em quadra não pode ultrapassar 8 pontos.

O jogo ocorre em uma quadra de Basquete, mas utilizando-se uma bola semelhante à do Vôlei (e não a oval, como a do Rugby convencional). Os jogadores que pontuam ao atravessar o gol adversário (linha de fundo delimitada por dois cones distantes 8m um do outro) carregado a bola.

Rugby adaptado, o esporte é praticado na cadeira de rodas. Foto: Reprodução (Rio 2016)

Cada partida possui quatro quartos de 08 minutos sendo que o cronometro é parado a cada vez que a bola sai (como ocorre no Basquete). Os atletas podem conduzir a bola no colo, mas são obrigados a quicar a bola no chão, ou passa-la a cada 10 segundos e cada ataque pode durar no máximo 40 segundos.

Para defender o adversário tenta parar os atacantes colocando sua cadeira na frente (bloqueando) ou batendo sua cadeira contra a do adversário, o que, via de regra, não constitui falta.

Vence o jogo a equipe que ao término tiver marcado mais gols.

Trata-se de uma modalidade bastante dinâmica e vibrante, em que pese o comprometimento motor de seus participantes.

Aqueles que quiserem conhecer a modalidade, convido a visitar os treinos de Rugby em Cadeira de Rodas da ADEACAMP que ocorrem no ginásio da Faculdade de Educação Física da UNICAMP as segundas, sextas e sábados, das 09h às 11h00 e às terças, das 14h às 16h

 

 

– Marina Salerno

 

Conexão Cotuca: Qual é a importância de dinâmicas, como essa elaborada pelo professor Luiz, simulando um jogo adaptado, dentro do ambiente escolar?

Marina Salerno: Refletindo sobre essa vivência que tive na graduação, observo que ela influenciou a minha prática como professora já que eu havia vivenciado algumas condições de deficiência. Isso auxilia na compreensão de comportamentos de alunos e nas interações entre os colegas. Sem dúvida essa vivência não representa fielmente a vida da pessoa com deficiência, contudo, nos oferece um momento de reflexão diferenciado, já que sentimos como é não ter a visão ou fazer uso de cadeira de rodas. Essa sensação amplia o entendimento e colabora para o momento de elaboração de aulas.

Paralimpíadas escolares acabou com o Rio de Janeiro campeão. Foto: Reprodução (http://www.esporteessencial.com.br)

CC: Como o esporte influencia na vida dessas pessoas?

MS: O esporte pode ser mocinho ou vilão! Essa atividade sempre nos impulsiona a querer superar nossos limites, participar, interagir. Isso, para uma pessoa com deficiência pode representar a libertação, afinal de contas, quantas vezes não ouvimos comentários sobre as paraolimpíadas como: nossa, eu nunca conseguiria fazer o que eles fazem. Sentir-se capaz dentro do esporte é um sentimento que independe de condição de deficiência, porém, para alguns ainda pode representar um algo a mais, já que anterior ao momento que vivemos agora a pessoa com deficiência ficava restrita a certos espaços. Quem sabe, com essa evolução que se evidencia por meio do esporte, pessoas com deficiência das próximas gerações não precisem dessa referência.

O esporte, no entanto, pode ser vilão, pois se visto apenas como alto-rendimento torna-se excludente, já que poucos são selecionados para participar das grandes competições. Não podemos esquecer que o esporte é o que fazemos dele: inclusivo ou excludente.

 

CC: Quais são os projetos desenvolvidos para apoiar a prática desses esportes adaptados?  

MS: Observamos diversos espaços que vão surgindo para atender a essa demanda. Um que tenho acompanhado é o RS paradesporto, espaço no qual, crianças com deficiência frequentam para a prática esportiva. Esse espaço também promove vivências a alunos de escolas para conhecerem o esporte adaptado.

Poucos são os espaços, porém, que trabalhem com o esporte inclusivo, no qual possam participar pessoas com e sem deficiência juntos.

 

Vinícius, mascote das Olimpíadas, e Tom, mascote das Paralimpíadas. Foto: Reprodução (Rio 2016)